entrevista e texto: Sergio Pugliese | vídeo: Daniel Planel
O Maracanã dos velhos tempos era abarrotado de personagens, era com o se você mergulhasse em um livro de contos e fábulas. Havia o torcedor que cobria o corpo inteiro com pó de arroz, Dona Dulce Rosalina, que comandava a galera vascaína, o sósia do Obama, o carinha que vivia rezando com um galho de arruda acomodado na orelha, o alvinegro Russão, o Mr. M, o árbitro Armando Marques cheio de caras e bocas, o comentarista Mário Vianna gritando ‘errooooou!!!’, o locutor da Suderj anunciando as escalações, o velhinho das embaixadas, enfim, o Maracanã era uma espécie de ilha da fantasia, um mundo encantado que amenizava nossas dores e coloria nossas emoções.
Mike Tyson, o maqueiro fortão, era mais uma dessas tantas figuras que ilustravam nossas tardes/noites e guardamos na memória até hoje. O cara era um guarda-roupas e virou atração turística porque passou 20 anos entrando e saindo de campo carregando gênios, como Zico e Maradona, e grandalhões, como Júnior Baiano e Manguito. Quando sentia que a contusão era mais grave, nem esperava por Geraldo, seu grande parceiro de trabalho, entrava correndo em campo, colocava o atleta no ombro e voltava correndo com ele. A galera endoidava! Certa vez, tropeçou, caiu e a Geral pegou no seu pé… ‘negão, tá na hora de se aposentar!’. Quando o locutor Januário de Oliveira anunciava ‘tá lá um corpo estendido no chão, vem aí o primeiro carreto da noite’, ele entrava em ação, era seu estrelato.
Vascaíno, o primeiro jogador a carregar foi Zico. Ficaram muito amigos. Malhava como um louco e nas horas vagas atuava como segurança de boates, clubes e para a família do Galinho de Quintino. Nos finais de semana de folga, para condicionar-se fisicamente, corria de Brás de Pina, subúrbio carioca, até a Praia de Copacabana. Na chegada triunfal, o filho acenava, orgulhoso, da areia. Durante o trajeto, muita gente o reconhecia e pedia autógrafos.
O ‘negão da maca’ fez história no Maraca, foi um de seus reis, como Romário, Túlio, Renato Gaúcho e Papai Joel. Claro, que tanto peso lhe rendeu problemas graves na coluna, mas o glaucoma, que o deixou cego, é o que mais o aflige. Aos 80 anos, está frágil e saudoso da grama verde, de sua padiola e do respeitável público daquele circo chamado Maracanã.
Em nossa despedida, tentou levantar-se do sofá, mas não conseguiu nem com o apoio de uma velha bengala. Segurei firme em seu pulso e ofereci apoio ao maior reboquista da história do Maracanã. ‘Quem diria, hein’, comentou. Quem diria. Rimos e caminhamos lentamente até a porta amparados por um abraço e por doces lembranças.
* conteúdo publicado originalmente no site ‘Museu da Pelada’